sexta-feira, 9 de abril de 2010

Comentários sobre “A superação do senso comum”.

Foi publicado, no dia 08 de Abril deste ano (2010), um pequeno artigo no blog “Tinha em mente” que trata sobre o senso comum no contexto da modernidade, intitulado "A superação do senso comum". Este texto pretende tecer alguns comentários ao que foi tratado naquele texto. Em um primeiro momento convém definir o que entendo por “senso comum”, depois, relacionar este conceito com o contexto do mundo contemporâneo (é, na realidade, uma singela tentativa disso).
Entendo por “senso comum” o que a antropologia evolucionista definiu por “cultura”. O americano Edward Tylor, em 1871, precisava que “cultura, ou civilização... é este complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, leis, moral, costumes e algumas outras capacidades e habilidades adquiridas pelo homem como membro de uma sociedade” (Tylor 1871: 1). Assim, com Max Weber podemos definir “senso comum” como o conjunto de práticas, conhecimentos, idéias, etc., que são herdados pelo indivíduo, do grupo social em que vive. É o resultado das experiências anteriores, como no caso de sabermos, mesmo sem conhecer o princípio bio-químico, que não podemos consumir determinado alimento; ou que determinado chá é eficiente na cura ou no alívio de algum mal-estar (como ao beber chá de boldo quando se está mal do estômago).
Enquanto conceito filosófico o senso comum surgiu no século XVIII, representando o combate ideológico da burguesia emergente contra o irracionalismo do Ancien Régime, sendo, pois, de um senso que se pretende razoável, prudente, “um senso que é burguês e que, por uma dupla implicação, se converte em senso médio e em senso universal. A valorização filosófica do senso comum esteve, pois, ligado ao projeto político de ascensão da burguesia, pelo que não surpreende que, uma vez ganho o poder, o conceito filosófico de senso comum tenha sido correspondentemente desvalorizado como significando um conhecimento superficial e ilusório. É contra ele que as ciências sociais nascem no século XIX” (Boaventura 1989: 36). Como reação de uma classe estabelecida no poder que procura justificar a sua superioridade não mais pelo nascimento, como fizera a nobreza do Ancien Régime, mas pelo conhecimento. É nítido como a partir de meados do século XIX o ambiente intelectual foi cada vez mais dominado pelas classes médias-altas e que foram estes grupos que elaboraram, por exemplo, teorias democráticas restritivas, como a democracia representativa (Finley).
Em “Ciência como Vocação” Max Weber afirma: “Significará que nós, hoje, por exemplo, sentados neste auditório, temos maior conhecimento das condições de vida em que existimos do que um índio americano ou um hotentote? Dificilmente. A menos que seja um físico, quem anda num bonde não tem idéia de como o carro se movimenta. E não precisa saber. Basta-lhe poder ‘contar’ com o comportamento do bonde e orientar a sua conduta de acordo com essa expectativa [...] A crescente intelectualização e racionalização não indicam, portanto, um conhecimento maior e geral das condições sob as quais vivemos” (Weber 1982: 195). Até este ponto eu e o autor do texto a que comento estamos em acordo.
No entanto, o autor de “A superação do senso comum” afirma que “Na modernidade cada um que deseja ser um sujeito singular, necessita expressar opinião e comportamento que sejam críticos em relação ao senso comum. Ser só mais um na multidão lhe tira sua subjetividade”. Não penso que a questão seja assim tão simples. É fato que há um discurso que exalta a individualidade e que, como discurso, se reflete em roupas, acessórios, gostos musicais e culinários, entre outras coisas. Mas não podemos nos esquecer do contexto sócio-econômico em que vivemos: o mundo capitalista. Dentre as diversas instituições que formam o nosso sistema social a economia tem relevo nas preocupações cotidianas. Decisões políticas, casos judiciários, até mesmo as religiões são guiadas, na contemporaneidade, pelas preocupações econômicas. Mais uma vez lembrando Weber, a situação de classe é uma situação no mercado: qual a sua posição com relação a ele (Weber 1994). Para o sistema capitalista o interessante é englobar o maior número possível de grupos, mesmo que culturalmente distintos: ele é maleável, “líquido”, e se infiltra em qualquer sistema sócio-cultural. E um dos mecanismos dessa infiltração é a massificação de elementos desse novo grupo dentro de grupos já inseridos no sistema capitalista – ele passa a fornecer elementos comercializáveis ao mesmo tempo em que também recebe. Deste modo, quando uma mulher brasileira utiliza uma “saia indiana”, acreditando discursar uma individualidade, ela na verdade só está participando no processo de massificação da cultura (já que ela usa esta saia do mesmo modo que centenas de outras brasileiras; pode encontrá-las facilmente em lojas no Brasil; e muito menos precisou se preocupar em conhecer o mundo indiano para optar usar uma saia indiana). O exemplo contrário pode ser visto com a influência cada vez mais forte do pop norte-americano na música libanesa. E no caso de uma massificação interna temos o estilo musical “Rock”, que nasceu como uma forma de protesto e acabou, pelos mecanismos midiáticos, tornando-se uma das maiores fontes de lucro para a indústria fonográfica e símbolo da cultura nacional norte-americana. A massificação pode não atingir a todos os setores da sociedade fazendo com que elementos sirvam de marcas de distinção de grupos sociais, como é o caso das “tribos” com símbolos próprios, mas cujos elementos também foram massificados e por chegam facilmente aos jovens.
Assim, creio que quando alguém faz um discurso de “individualidade”, na verdade, ela inocentemente apenas só faz parte do sistema, assim como o resto de nós.

Por fim, a relação entre o “senso comum” e o “conhecimento científico”. Concordo com o autor de “A superação do senso comum” no sentido de que 1) muito do conhecimento científico surge do senso comum, de questões feitas à este senso comum, e 2) que é absurdo se pretender que a escola deva passar o conhecimento científico como algo incontestável e o senso comum como algo criticável. Para mim o que desperta o senso crítico, no entanto, é o método científico e não o produto da pesquisa científica em si. É o questionamento sistemático e a preocupação em deixar claros os procedimentos tomados no tratamento de uma questão. Acredito, assim, que mais do que passar “a verdade”, que pode estar no conhecimento científico ou no senso comum, a educação deve fornecer os métodos para que o indivíduo aprenda a observar uma situação ou uma visão de mundo sua e consiga buscar a origem daquele comportamento ou daquela idéia (seja de senso comum ou de conhecimento científico).

Referências.
BOAVENTURA de Souza Santos. Introdução a uma ciência pós-moderna, 1989.
FINLEY, Moses. Democracia antiga e moderna.
TYLOR, Edward B. Primitive Culture, 1871.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. V.1. Brasília-DF: Ed. Unb, 1994.
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1982.

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